Monday, July 28, 2008

“ O dito dizia que o certo era a gente estar sempre brabo de alegre,
alegre por dentro,mesmo com tudo de ruim que acontecesse,
alegre nas profundas, podia?
Alegre era a gente viver devagarinho, miudinho,
não se importando demais com coisa nenhuma.”
( João Guimarães Rosa,in Campo Geral )

[Vida Contida]

Nada queriam além do imediato, nada além do contido. Mais um pedaço de tudo, mais um bocado de muito. Sobre a face da mão, colocam uma rosa em botão. Sobre um porque e um não sempre sobra a confusão. Um a menos causa caos, um a mais é demais. Passa raspando, raspa rasgando quem vê a vida por detrás. Joga luz sobre vidraça, lança fogo sobre o lodo. Quando quente derrete o osso. Quando frio estremecem. Nada esperam em demasia, nada se lança ao vento e volta. Tudo gira num instante e no fim todos se esquecem.

Friday, July 25, 2008


Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.

Hilda Hilst

Thursday, July 24, 2008


Me disponho a acreditar que "o sempre" chega atrasado e "o nunca" se repete. Cada passo incerto é um querer contínuo de um descontínuo viver. Vivendo à beira, na ladeira... que pedreira. Sejamos vida na propriedade viva de cada matéria.

Wednesday, July 23, 2008

Surdina

Minha poesia é toda mansa.
Não gesticulo, não me exalto...
Meu tormento sem esperança
tem o pudor de falar alto.

No entanto, de olhos sorridentes,
assisto, pela vida em fora,
à coroação dos eloqüentes.
É natural: a voz sonora
inflama as multidões contentes.

Eu, porém, sou da minoria.
Ao ver as multidões contentes
penso, quase sem ironia:
"Abençoados os eloqüentes
que vos dão toda essa alegria."

Para não ferir a lembrança
minha poesia tem cuidados...
E assim é tão mansa, tão mansa,
que pousa em corações magoa
doscomo um beijo numa criança.

Ribeiro Couto
In:"Poemetos de ternura e de melancolia"
O QUE É O QUE É...
Sou a areia que se deixou guiar pelo vento... poeira.
Sou a àgua que transcorreu a terra... o lodo.
Sou a seiva bruta que se deixou queimar... a fumaça.
Sou a sombra... o contrário... sou aquilo que virá.
Sou a meta, a osmose... a metamorfose.

Tuesday, July 22, 2008

Deixe que chore, deixe chorar... as lágrimas ameaçam os olhos daqueles que fingem não ver e revela a plenitude da essência de sua ternura.

Monday, July 21, 2008


Pequenos são os instantes que nos permitimos fluir. Lançar vôo de olhos vendados e deixar-se dominar pelo compasso cardíaco. Reativo é o tremor das pápebras que insistem em abrir na hora errada... mas logo se fecha ao som do estrondo que reage ao impacto da luz sobre a superfície ocular... e é isso que sega! Na secura da saliva intácta se engole as palavras gastas. Desgaste e lance fora a goma que impede aquele vôo. Em vôo, se revela algo secreto: os instantes são eternos e a vibração é constante. Desconhecemos a salto e tememos a queda, mas é nele que se eleva o lúcido fluir da ritmia humana.

Friday, July 18, 2008

É preciso não esquecer nada:
nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.
É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.
O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.
O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
a idéia de recompensa e de glória.
O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos severos conosco, pois o resto não nos pertence.

Cecília Meireles

Sunday, July 13, 2008

A história do pincel sem cor...
Me disseram que o pincel quis passar-se por lápis, pois cansou-se de perder a sua cor. Deixou a timidez e lançou-se à escrever. Contudo não esperava, encontrar o lapis de cor. Este, por sua vez, uma cor foi-lhe fixada... O pincel desde então, percebeu-se que ser lápis, caia meio em vão, pois traço que borracha apaga, não deixa rastros não. O pincel inconformado, sonhou ser lápis de cor então. Pôs-se a pintar, mas logo se angustiou: "como posso com uma cor só, colorir o meu jardim?". Assim, pincel sem cor custou a perceber que sendo ele como é, detinha a magia de toda a cor.

Wednesday, July 09, 2008


... presumo que a condição primeira para a concretude desse verbo de ação (amar) é render-se ao mais singelo ato e adquirir o dom de ouvir as "entrelinhas". Esquivando-se da ruptura existente entre a distância que separa uma mão da outra e a extenção submersa que enlaça a sutil diferença entre o amor-próprio e o não-eu.


Monday, July 07, 2008


Sonho de uma flauta - Teatro Mágico

Nem toda palavra é
Aquilo que o dicionário diz
Nem todo pedaço de pedra
Se parece com tijolo ou com pedra de giz
Avião parece passarinho
Que não sabe bater asa
Passarinho voando longe
Parece borboleta que fugiu de casa
Borboleta parece flor
Que o vento tirou pra dançar
Flor parece a gente
Pois somos semente do que ainda virá
A gente parece formiga
Lá de cima do avião
O céu parece um chão de areia
Parece descanso pra minha oração
A nuvem parece fumaça
Tem gente que acha que ela é algodão
Algodão as vezes é doce
Mas as vezes é doce não
Sonho parece verdade
Quando a gente esquece de acordar
E o dia parece metade
Quando a gente acorda e esquece de levantar
Ah e o mundo é perfeito
Hum e o mundo é perfeito
E o mundo é perfeito
Eu não pareco meu pai
Nem pareco com meu irmão
Sei que toda mãe é santa
Mas a incerteza traz inspiração
Tem beijo que parece mordida
Tem mordida que parece carinho
Tem carinho que parece briga
Tem briga que aparece pra trazer sorriso..

Sunday, July 06, 2008

O VÔO - Menotti Del Picchia

Goza a euforia do vôo do anjo perdido em ti.
Não indagues se nossas estradas, tempo e vento, desabam no abismo.
Que sabes tu do fim?
Se temes que teu mistério seja uma noite, enche-o de estrelas.
Conserva a ilusão de que teu vôo te leva sempre para o mais alto.
No deslumbramento da ascensão se pressentires que amanhã estarás mudo esgota, como um pássaro, as canções que tens na garganta.
Canta. Canta para conservar a ilusão de festa e de vitória.
Talvez as canções adormeçam as feras que esperam devorar o pássaro.
Desce que nasceste não és mais que um vôo no tempo.
Rumo do céu? Que importa a rota.
Voa e canta enquanto resistirem as asas.

Friday, July 04, 2008


O que carrega coração?
Um buquê, uma abolição?
Sopro de euforia
Sonho de cortezia
Estrondo de alegria
É imaginação?