Saturday, November 25, 2006

O MAIS É NADA

Sonhe com as estrelas, apenas sonhe, elas só podem brilhar no céu.
Não tente deter o vento, ele precisa correr por toda parte, ele tem pressa de chegar, sabe-se lá aonde.
As lágrimas? Não as seque, elas precisam correr na minha, na sua, em todas as faces.
O sorriso! Esse, você deve segurar, não o deixe ir embora, agarre-o!
Persiga um sonho, mas, não o deixe viver sozinho.
Alimente a sua alma com amor, cure as suas feridas com carinho.
Descubra-se todos os dias, deixe-se levar pelas vontades, mas, não enlouqueça por elas.
Abasteça seu coração de fé, não a perca nunca.
Alague seu coração de esperanças, mas, não deixe que ele se afogue nelas.
Se achar que precisa voltar, volte!
Se perceber que precisa seguir, siga!
Se estiver tudo errado, comece novamente.
Se estiver tudo certo, continue.
Se sentir saudades, mate-as.
Se perder um amor, não se perca!
Se o achar, segure-o!
Circunda-te de rosas, ama, bebe e cala.
O mais é nada.

(Fernando Pessoa)

Wednesday, November 22, 2006

Mesmo para os descrentes há a pergunta duvidosa: e depois da morte? Mesmo para os descrentes há o instante de desespero: que Deus me ajude. Neste mesmo instante estou pedindo que Deus me ajude. Estou precisando. Precisando mais do que a força humana. E estou precisando da minha própria força. Sou forte mas também sou destrutiva. Autodestrutiva. E quem é autodestrutivo também destrói os outros. Estou ferindo muita gente. E Deus tem que vir a mim, já que eu não tenho ido a Ele. Venha, Deus, venha. Mesmo que eu não mereça, venha. Ou talvez os que menos merecem precisem mais. Só uma coisa a favor de mim eu posso dizer: nunca feri de propósito. E também me dói quando percebo que feri. Mas tantos defeitos tenho. Sou inquieta, ciumenta, áspera, desesperançosa. Embora amor dentro de mim eu tenha. Só que não sei usar amor: às vezes parecem farpas. Se tanto amor dentro de mim recebi e continuo inquieta e infeliz, é porque preciso que Deus venha. Venha antes que seja tarde demais. (Clarice Lispector)

Sunday, November 19, 2006


... aprendi que a vida não é pra ser vivida na medida, com elegância, em pose de bailarina... cabeças mórbidas flutuam sobre as nossas narinas, pescoços apertados por gravatas caprichadas, cabelos bem penteados, porém de olhos fundos e secura nas bocas... como fantoches andam despidos da Luz e estes são guiados pelos ditados dos “nãos”: não corra demais, não chore demais, não fale demais, não espere demais, não ame demais e não viva demais... numa vida muito ajustada vivemos da sensação de não ter vivido... vivemos da incompletude do quase e da ausência do nada... (pedaço de uma carta... relato de uma alma)

Wednesday, November 15, 2006

A quem se machuca – Artur da Távola (Crônicas Mevitevendo)

Inimigos são duas pessoas pertinho uma da outra. Só que de costas. Há duas situações inimigas dentro do amor. Pertinho e uma de costas para outra. Ambas ameaçam dar certo e não dar certo.
Os anos me ensinam que quando se ama, tanto se teme enfrentar a possibilidade de dar certo, cheia de prisões e tentáculos, com o risco de não dar certo e ficar rompida uma harmonia que poderia ter dado certo. E, se poderia vai doer se não viver.
Ambas as situações convivem em quem ama. Porque “viver bem” não é dar certo. Dar certo é ser capaz de prosseguir apesar do desacerto. “Viver mal” não é necessariamente dar errado. Dar errado é não poder prosseguir.
Composto de partes inimigas é o amor. Ele só se enriquece dos cansaços incapazes da destruição. Ele só vive do imperfeito de cada confronto. Ele só é, quando vive ameaçado de deixar de ser. Caso contrário não seria: simplesmente deixaria de ser.
Os inimigos são duas pessoas pertinhos uma da outra, mas de costas, porque se virarem se encontrarão. E é isso o que temem. São mais unidos, talvez, que amigos, um de frente para o outro, mas a metros ou quilômetros de distância e só por isso se entendem.
O medo de amar é o medo de estar perto demais, o que de certa forma escraviza. O engano de amor é estar longe, mas de frente, o que de certa forma atenua.
A coragem de amar é como a coragem de ser: é fazer os dois inimigos, de costas um para o outro, virarem-se de frente para sentir hálito, olho, medo, força, ternura, muita raiva e muito carinho e aceitar tudo, por isso amar.
A falsidade do amor é permanecer de frente como amigos: pura e simplesmente se aceitando. Sem contradita. Sem a oposição capaz de ser vencida pela permanência do sentimento, a despeito do eu de cada um.
O medo de quem ama é o medo da relação profunda. Porque é nela que está a entrega. É tão profunda que não rompe, apesar das tragédias da superfície. E a superfície só faz a tragédia, para impedir que o eu contemple de frente a relação profunda.
A relação profunda implica o que não se destrói apesar das diferenças de cada um.
Na relação profunda está o desamparo e a necessidade tão pura que nunca pode vir a tona. Na relação superficial está a fantasia, o eu idealizado, a armadura enfeitada de cada um.
Se transares ao nível da armadura, serás feliz no começo; na fase hipnótica do amor. Se transares no nível profundo, talvez seja até infeliz, mas amarás. A infelicidade pode fazer-te virar as costas para o inimigo que amas. Poderá separar-te dele. Mas mesmo assim não será maior que o amor adivinhado e sentido, se a relação é profunda.
Não te vires de frente para o inimigo! Podes amá-lo. Ele vai adivinhar e tu também, o amor que está na peleja de quem ama. Não fiques tão de frente, mas tão longe de quem gostas. No que chegares perto, talvez detestes e sejas detestado.
Amar é estar de costas. Gostar é estar de frente. Um ultrapassa a inimizade que vive junta. Outro vive da amizade fácil, mas que se aproximar pode não ser amor. Por isso era tão fácil sentir.
Amar é apeser de. É através. É a despeito, mas é com. Amar é contra, mas perto e fundo. Mesmo de costas. É malgrado. É com ferida e cicatriz, mas íntegro.
Amar fundo é ter medo de virar de frente. Porque ao pode surgir, cristalina, a possibilidade de dar certo. E a entrega. Que é no fundo o que quem ama mais teme.

Sunday, November 05, 2006

"Eu não posso ouvir por muito tempo em silêncio. Eu devo te dizer de algum jeito que eu não posso. Você está partindo o meu coração. Eu não quero ousar esperar. Me diga que não estou tarde demais, que você ainda tem algum sentimento por mim. Eu me ofereço à você novamente com todo o meu coração. Não diga que um homem esquece um amor mais cedo que uma mulher. Eu não amei mais ninguém além de você. Eu tenho andado fraco e zangado, mas eu nunca deixei de amar você. você me trouxe aqui em Bath. Eu penso e anseio somente por você. Você não vê isso? Você não entende? Eu não teria esperado estes dez dias se não tivesse certeza sobre os seus sentimentos. Você disse acreditar que um homem pode ser tão verdadeiro no amor quanto uma mulher. Por favor acredite que isto é verdade para mim. Devo ir agora, incerto do meu destino. Mas eu devo retornar o quanto antes possível. Me dê um sinal. Um olhar ou uma palavra seria o suficiente para me dizer se eu poderia vir para a casa de seu pai esta noite - ou nunca mais"

Carta do Capitão Wentworth para Anne do livro "Persuasão" de Jane Austen.

Thursday, November 02, 2006

"É difícil fazer alguém feliz, assim como é fácil fazer triste...
É difícil dizer eu te amo, assim como é fácil não dizer nada...
É difícil ser fiel, assim como é fácil se aventurar...
É difícil valorizar um amor, assim como é fácil perdê-lo para sempre...
É difícil agradecer pelo dia de hoje, assim como é fácil viver mais um dia...
É difícil enxergar o que a vida traz de bom, assim como é fácil fechar os olhos e atravessar a rua...
É difícil se convencer de que se é feliz, assim como é fácil achar que sempre falta algo...
É difícil fazer alguém sorrir, assim como é fácil fazer chorar...
É difícil colocar-se no lugar de alguém, assim como é fácil olhar para o próprio umbigo...
Se você errou, peça desculpas...
É difícil pedir perdão? Mas quem disse que é fácil ser perdoado?

Se alguém errou com você, perdoa-o...
É difícil perdoar? Mas quem disse que é fácil se arrepender?

Se você sente algo, diga...
É difícil se abrir? Mas quem disse que é fácil encontrar alguém que queira escutar?
Se alguém reclama de você, ouça...
É difícil ouvir certas coisas? Mas quem disse que é fácil ouvir você?
Se alguém te ama, ame-o...

É difícil entregar-se? Mas quem disse que é fácil ser feliz?
Nem tudo é fácil na vida... Mas, com certeza, nada é impossível...

Precisamos acreditar, ter fé e lutar para que não apenas sonhemos...Mas também tornemos todos esses desejos realidade... "

(Cecília Meirelles)

Wednesday, November 01, 2006

Receio-me em questionar o cheiro, a saliva e o suor. Pareço fingir, porém sinto o contorno suave daquela viva e sensata sensação de ser real. O olhar encobre os não-ditos distraídos e, ao tornar-se cego, entrega-se ao delírio de viver o nu. Despir-me significa convencer-me de que nem tudo o que não vejo, pode-se ignorar, pois a existência do real está na medida em que o considero. O “tornar-se” cego geralmente precede o momento exato da dúvida, do receio e do questionamento. É o momento em que o fingir perde seu sentido e cede o seu lugar ao sentir... considera-se então o delírio de ser real e não a realidade em si, pois afinal, alguém poderia me dizer se esta existe?


"Meu mundo se resume a palavras que me perfuram, a canções que me comovem, a paixões que já nem lembro, a perguntas sem respostas, a respostas que não me servem, à constante perseguição do que ainda não sei. Meu mundo se resume ao encontro do que é terra e fogo dentro de mim, onde não enxergo, mas me sinto." (Martha Medeiros)